segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Made in...

Aqui há uns anos atrás Un long dimanche de fiançailles não recebeu financiamento estatal francês porque era produzido por uma companhia integrada na muito americana Warner Bros. Foi meio caminho andado para também não ser o candidato da França às pré-nomeações do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, prémio que tinha fortes hipóteses de ganhar se fosse nomeado. Um tribunal decidiu que era "muito americano", apesar de ter um realizador francês (Jean-Pierre Jeunet), uma equipa artística e técnica maioritariamente francesa, e, naturalmente, ser falado em francês.

Belle Toujours também é 100% em francês. Mas isso não impediu agora que a comissão de selecção do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), formada pelos "suspeitos do costume" que ninguém conhece fora do circuito mas que há anos nos impingem a sua ideia de cinema português — Acácio de Almeida, Alberto Seixas Santos, Carmen Santos, João Nunes, José Carlos Oliveira, Patrícia Vasconcelos, Paulo Trancoso, Pedro Borges e Raquel Almeida —, o escolhesse como o candidato português ao Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood para o Melhor Filme Estrangeiro.

Vamos por partes. As regras da Academia apenas exigem que os filmes candidatos na categoria tenham estreado entre Outubro e Setembro no país de origem, que deve também assegurar que o talento criativo desse país exerceu o controlo artístico do filme, e que a língua predominante não seja o inglês. Manoel de Oliveira realiza e escreve o argumento, os franceses Michel Piccoli e Bulle Ogier protagonizam, e entre os actores aparece o inconfundível Ricardo Trêpa. A restante equipa técnica é uma miscelânea em que o português devia ser a língua pátria menos falada. Sendo uma co-produção entre Portugal e França, é natural que o financiamento tenha vindo destes dois países. É um bocado forçado, mas se centrarmos tudo em Oliveira, as regras são mais ou menos cumpridas (em todo o caso, será a Academia a tomar as decisões sobre estas questões de elegibilidade).

Não quero aqui reduzir o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro a uma questão de língua ou da nacionalidade das cabeças artísticas. A história do cinema está cheia de filmes que cruzam línguas e nacionalidades. Para não ir mais longe, Transe, de Teresa Villaverde, coloca Ana Moreira a falar russo e a maior parte da história nem se passa em Portugal.

A minha questão é outra. Entre os filmes que estrearam entre 1 de Outubro e 30 de Setembro estão Transe, Filme da Treta, Viúva Rica Solteira Não Fica, Juventude em Marcha, 20,13, Suicídio Encomendado, dot.com, O Mistério da Estrada de Sintra, Atrás das Nuvens, Belle Toujours e O Capacete Dourado. Virgilio Castelo dizia numa entrevista há quase 20 anos no saudoso S7te que gostava que o cinema português fosse menos... francês. Não interessa agora discutir se a decisão é mais do mesmo e apenas vai reforçar essa imagem. Ou se isto apenas vai ajudar Portugal a manter o recorde de país que mais vezes submeteu filmes aos Oscares sem nunca ter sido nomeado. Mas olhando para a lista de candidatos, ver a Comissão de Selecção dizer que Belle Toujours é o filme que "melhor representa o cinema português" só dá mesmo vontade de rir.

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