sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Déjà Vu

Entre todas estas notícias malucas sobre Tom Cruise ou as irmãs Spears, gostava de fazer uma pausa. Foi um grande choque saber da morte do Brad Renfro. Mesmo conhecendo os seus problemas dos últimos 10 anos.

Quero evitar cair na banalidade destes momentos, mas se calhar não vou conseguir. O tempo dá-nos um distanciamento em relação ao impacto que terá sido o desaparecimento, por exemplo, de James Dean em 1955. Daí que, ao ver a notícia na quarta-feira de manhã, tenha pensado principalmente no que aconteceu a River Phoenix em 1994. Não tanto por terem em comum um imenso e precoce talento, os mesmos demónios pessoais, as mesmas mortes perfeitamente (?) evitáveis (pronto, já estou a resvalar para o cliché). E fugirem dos "filmes bonitos para adolescentes". Ou terem sido alvo das paixonetas das adolescentes da sua geração. Nem mesmo por, uma vez mais, nós, que os vimos crescer de filme para filme, ficarmos com aquela sensação de enorme desperdício, de frustração ou revolta pelo talento, pela promessa que se perdeu. E a pergunta do costume: onde estava a família? E os "amigos"?

Não, o que me chocou no caso de Phoenix e agora de Renfro foi ver partir dois actores que representavam com uma naturalidade incrível. Não existia nenhum artifício nas emoções que nos transmitiam. Vejam o Conta Comigo ou o Fuga sem Fim. O Sleepers (era a personagem de Brad Pitt em jovem), Laços de Amizade ou Mentir na América. O seu talento era de uma pureza e sensibilidade desarmantes. No meio de tantos filmes a mostrar os adolescentes como palermas, a vulnerabilidade que eles davam às suas personagens, o retrato de uma certa juventude inadaptada, era profundamente real. Ainda haverá isso na geração iPod?

Tal como aconteceu com Phoenix, a partir de agora nunca mais iremos ver os filmes de Brad Renfro da mesma forma. Não será apenas aquele miúdo de 11 anos a responder taco-a-taco e a roubar cenas em O Cliente a Tommy Lee Jones e Susan Sarandon (a quem perto do fim da rodagem já dava sugestões de representação!). E que foi descoberto depois de fazer um casting que era suposto durar 10 ou 15 minutos e se prolongou por uma hora: a cassete foi vista por Joel Schumacher, que ficou impressionado pela maturidade e tristeza dos seus olhos. Mais tarde, quando conheceu o vice-presidente dos estúdios Warner, Renfro perguntou-lhe se era um fã do grupo Megadeth, cuja t-shirt o jovem estava a usar. Ele respondeu-lhe que sim e logo a seguir veio a réplica implacável: Não acho que você alguma vez tenha ouvido falar dos Megadeth. Acho que você é um daqueles adultos que dizem que gostam da mesma música que um miúdo para que nós gostemos mais si. Bem, não gostamos.

Referi o Laços de Amizade, que conta a história de um rapaz que descobre ter como vizinho outro jovem (o Joseph Mazzello do Parque Jurássico) que contraiu o vírus da SIDA e vive marginalizado e numa total solidão. Tornam-se amigos e, com o agravar da doença, decidem partir à procura de uma cura. O filme tem coisas um pouco óbvias e abusa um pouco das boas intenções (é preciso ver que foi feito em 1995, apenas dois anos depois do Filadélfia), mas os defeitos que lhe podemos apontar são redimidos, e de que maneira, pelas interpretações de Renfro, Mazzelo e Anabella Sciorra. Em pesquisas no YouTube, descobri que o filme está todo disponível. Vale a pena. E já agora, vejam este extra do DVD.

Curiosamente, o seu melhor papel nada tem a ver com o que escrevi mais atrás. Esse teria de ser o do filme Apt Pupil/Sob Chantagem, em que era um rapaz obcecado com os nazis que descobre que o seu gentil vizinho (Ian McKellen) era afinal um criminoso de guerra. Desta vez ele não era apenas um mero adolescente problemático. O que revelava, confirmando a marca de um grande actor, era algo mais perturbador e doentio, mesmo demoníaco. E McKellen partilhou gentis palavras e memórias no seu blogue. Muito sentido.

Esta cena em baixo, em que a personagem de McKellen veste pela primeira vez em décadas um simbólico uniforme, mostra como Brad Renfro (a rodagem terminou a 4 de Abril de 1997, ele nem tinha feito 15 anos!), se revelava mais do que à altura neste jogo de manipulação mútua que era o filme de Bryan Singer...

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