segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Tudo como em Hollywood

Ora aqui está um daqueles casos onde se nota bem a diferença entre fazer um Dias de Criswell na PREMIERE e na Internet. Por esta altura já teria entregue os meus Dias para a revista de Novembro, onde teria falado do Corrupção. Tudo dentro do prazo. Mas como não há revista, a verdade é que estou umas boas três semanas atrasado para falar deste assunto.

A oportunidade pare recuperar tempo perdido foi-me proporcionada por um artigo publicado este domingo no Correio da Manhã. Se eu fosse o Miguel Sousa Tavares (MST), diria que era uma das mais abjectas peças de jornalismo em que já tinha posto os olhos em 30 anos de jornalismo. Mas como não sou o MST e não tenho 30 anos de jornalismo (e ele detesta blogues), fico-me apenas por uma constatação: as coisas que se fazem pelo direito a uma exclusivo!

Ao longo de Agosto e Setembro, o Correio da Manhã fez um acompanhamento diário da rodagem do Corrupção. Foi um acordo igual a tantos outros em que, por um lado, o jornal obtinha um exclusivo prolongado sobre a adaptação cinematográfica de um dos livros mais bombásticos dos últimos anos, e por outro o filme beneficiava de mais exposição mediática. Algo perfeitamente normal nas produções lá fora e ainda bem que finalmente o nosso marketing cinematográfico começa a aprender.

O problema que surge com este artigo assinado por Ricardo Tavares é outro: onde acaba o jornalismo e começa o marketing? O texto indica que o filme que está a ser encarado com enorme expectativa vai estrear no primeiro minuto do dia 1 de Novembro em 55 salas, custou um milhão de euros e é protagonizado por Nicolau Breyner e Margarida Vila-Nova, bem como outros conhecidos actores. O produtor, Alexandre Valente (AV), acha que é um filme ao estilo de Os Sopranos, ao mesmo tempo que "fonte da produção" (talvez AV) assegura que Corrupção terá uma grande festa de lançamento e que serão colocados em todo o País cerca de 4000 ‘muppies’ para promover o polémico filme... suponho que AV não tenha mencionado O Padrinho por um de dois motivos: falta de "lata" ou por ter medo que nenhum dos potenciais espectadores conhecesse o filme de Coppola.

A certa altura, adianta-se que Corrupção enfrentou várias contrariedades, nomeadamente, logo nos primeiros dias de trabalho com a proibição de filmar nas escadarias de acesso à Assembleia da República. O que o artigo não menciona em lugar nenhum é que João Botelho era o realizador. E esse esquecimento só se entende se isto for um favor a AV.

É que entre as "várias contrariedades", a mais importante era que o realizador exigira a retirada do seu nome da ficha técnica (tal como Leonor Pinhão, que assina o argumento), depois de AV ter discordado da versão montada pelo realizador e à sua revelia ter cortado 17 minutos e alterado a banda sonora. Já não é a primeira vez que o produtor troca as voltas ao realizador (Carlos Coelho da Silva também teve problemas por causa do O Crime do Padre Amaro) e só entendo que Botelho não tenha tomado precauções por causa do evidente entusiasmo que ele tinha com o projecto. Margarida Vila-Nova ganhou todo o meu respeito: questionada sobre se ver o filme, respondeu que dependia do filme que for exibido.

Corrupção, que se propunha mexer ao mesmo tempo com o mundo do futebol, da justiça e da política, vai afinal tornar-se, em todo o esplendor dos seus 82 minutos (com ou sem créditos?) um "case study" no cinema português por boas e más razões. Uma produção com evidentes ambições comerciais e planeada ao milímetro, como Botelho já merecia há muito tempo, escapa ao controlo criativo do seu realizador. Até ao fim, tudo como em Hollywood.

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